Cães
São entes queridos que, em alguns momentos, confundem-se com animais de estimação.
Há quem os classifique como parentes. Muitos afirmam existir até consanguinidade, outros informam com seriedade que seu cão faz parte de sua árvore genealógica.
Brincadeiras à parte, o fato é que, no caso de um acidente grave, onde seja necessária a transfusão de sangue para salvar uma vida, não tenho dúvidas de que o cão da vítima seria o primeiro a estender a pata para fazer essa boa ação. E eu não me surpreenderia se o sangue dele proporcionasse a tão esperada melhora. Afinal, não é novidade alguma que o genuíno amor realiza milagres, e que o sincero desejo de um cão ver seu dono restabelecido poderia alterar toda a estrutura bioquímica do sangue, resultando na tão esperada recuperação do seu companheiro bípede. Na verdade a lógica dificulta que o improvável mostre toda a sua força. No dia em que não for preciso enxergar o doador, quando apenas o sangue e a energia amiga bastarem para se alcançar a cura, ninguém hesitará em receber sangue canino, e os hemocentros se confundirão com pet shop.
Quando chego em casa, a cerimônia de assédio com a qual sou recebido me proporciona uma vaga sensação de celebridade. Percebo então quanto os cães estavam preocupados com minha ausência. E, quando a tietagem é fria, sem o calor e o dinamismo corriqueiros, sei que algo de errado ocorreu, algum prejuízo foi causado. Nessas ocasiões, os cantos pouco visitados da casa são por eles cabisbaixamente ocupados. Eles sabem quando cometem algum erro. Aliás, algumas vezes, tal conduta é adotada com premeditação, por revolta, em represália a alguma atitude nossa que eles não gostaram. No dia em que a humanidade amar seu próximo com a mesma intensidade, com a mesma autenticidade que os cães amam seus donos, estaremos caminhando em direção aos desígnios de nosso Criador: um mundo povoado por seres inteligentes, dotados de livre-arbítrio, entretanto, impregnados de um amor irracionalmente espontâneo e profundo.
Quem maltrata um animal é comandado pela ignorância, pela brutalidade, e está muito distante da civilidade. E, portanto, nada mais é do que um amontoado de carne dominado por instintos que o incapacitam de se humanizar.
Levando-se em conta a energia benfazeja doada simbioticamente através do sangue, de quem você preferiria receber essa transfusão? De cães humanizados ou de homens animalizados?
Doe-se.
Marco Antonio Rodrigues.
Texto extraído do livro “Perspicácia - O aprendiz e a vida”
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