segunda-feira, 4 de abril de 2011

JOÃO COMPLEMENTA COM A "VOZ DOS ANIMAIS"

----- Original Message -----
From: João Salvador
To: Fala Bicho
Sent: Wednesday, April 06, 2011 9:24 PM
Subject: Gatos,felinos injustamente acusados.


Sheila, querida amiga, junto com aquele e-mail que enviei ao diretores da Globo, havia enviado este texto, como protesto ornomatopéico do animais, sobre a atitudes irracionais humanas. Mais achei que eu ia rosnar e ronroar demais e ferir os brios de parte dos humanos do "prim-prim".
Beijo
João
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A fala dos bichos

Prezados senhores que tanto discutem sobre o perigo que causamos à coletividade humana, tão pura que merece nosso respeito. Vocês não transmitem doenças e nem morrem por acidentes no trânsito por negligência, ou pela loucura dos vícios. Aliás, melhor ainda, com vocês não ocorre fome, angústia, depressão, dor...Sim, nós, pombos, cães e gatos e outros amigos, viemos a público, através de uma página deste ilustre site, para informar em segredo de injustiça que somos, ao nos colocarem para os inocentes, os perigos que representamos, inventando maneiras absurdas para nos consumir. Claro, somos assassinos pela pandemia que causamos, enchendo os hospitais públicos e particulares de moribundos.

Somos sim, a mais pobre representação de suas ricas metáforas do inferno, expostos ao desprezo e aos escárnios dos modernos e demonizados. Somos sim, pelo que dizem, assassinos estúpidos, como em muitos de seus próprios exemplos cotidianos. Não há o que contestar. Somos bichos, não bicheiros. Nascemos pelados e ficamos peludos ou penados, desorganizados. Não assumimos tanto disparate que não perpetramos. Não bastasse a nossa incapacidade de tornarmos resistentes às suas armas químicas de iscas envenenadas, armadilhas e carrocinhas e gaiolas, ainda somos obrigados a inspirar esse ar poluído, ou chumbado e saciar a sede com a água oleosa, saponificada que corre nas guias das calçadas.

Somos mal acolhidos, na verdade, por uma fatia insatisfeita da população, que nos representa enorme perigo. Somos viscerais, causamos disenteria, maculosa, toxoplasmose, raiva e tantas doenças venais e mortais. Nossa beleza é de outra espécie, nossa inteligência é de outra estirpe no reino animal. Aprendemos a colher o melhor do pior. Necessitamos viver de petiscos, catando aqui, catando ali, quando não há gente infeliz por perto para delatar os humildes que nos alimentam e nos protegem.

Dá nojo mesmo, ver os dejetos nas calçadas, nos túmulos de cemitérios e nas praças, muitas vezes ocupadas por gente maldosa, mas não se esqueçam que fazem o pior com as palavras e procedimentos na vida real, principalmente por aqueles que não podem perder seu tempo para avaliar o sentido de vida, da holística universal. Nós somos indesejáveis para muitos, mas se pudéssemos viver livres, em paz, sossegados sobre a terra, jamais tornaríamos desagradáveis. Há amigos nossos, que se encontram nos biotérios e que nunca viram a luz do sol, nunca pisaram em chão firme, sob o pretexto que salvarão vidas humanas, através de práticas sádicas, inócuas, ultrapassadas, quando para muitos casos já existem alternativas, para evitar tanta vivissecção.

Vocês, agora evoluídos nos pós das drogas de tantas guerras e nas quedas de tantos muros que podem voltar a ser erguidos a qualquer momento. Somos animais, mas não participamos de nenhuma trama diabólica, envolvidos em corrupção e desvio de dinheiro público. Não somos, acima de tudo, sanguinários.

Ah! Mas vocês não terão nem lembrança dos transmissores imundos, achincalhados, com os quais se incomodam tanto, quando virem a trama armada pelos donos do mundo, na mira de todos. Da hecatombe nuclear que transformará este planeta em suplício, em trevas, acabando para sempre com as suas grandes idéias sobre a natureza humana.

Bem que tentamos nos tornar animais de sua mais cara estimação, mas somos diferentes. Gostaríamos de viver na mais higiênica harmonia, mas somos animais indesejáveis; tudo o que lhes agradam são os bichos traiçoeiros, os bichos arteiros, o bicho-homem, porque o temem.

Mas nunca fomos trapaceiros e nem espalhamos a morte nas moléstias, como querem, e gostam de dizer. Aliás, preferimos essas evidências no corpo àquelas do espírito, escondidas por ternos, roupas brancas e salários dos que se esquecem de deitar, dando ordens aos senhores de jalecos para a execução em massa, nos campos de concentração.

Queremos, acima de qualquer coisa, amá-los. Está difícil de nos entender? Quem sabe um dia seremos bonitos, esperançosamente orgulhosos, que nos amarão tanto quanto nós lhes amamos e ainda não perceberam.


JOÃO O. SALVADOR é biólogo do Cena (Centro de Energia Nuclear na Agricultura)

- USP (Universidade de São Paulo)

salvador@cena.usp.br